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Em recuperação judicial, Livraria Saraiva anunciou em outubro o fechamento de 20 lojas — Foto: Divulgação
Com as redes de livraria Saraiva e Cultura em processo de recuperação judicial, o setor livreiro vive em 2018 a sua maior crise, com fechamento de lojas, demissões em massa e calote de milhões nas editoras. Mas as dificuldades surgiram anos antes, sobretudo para as micro e pequenas empresas do setor.
Levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), a partir de dados do Ministério do Trabalho, mostra que o número de livrarias e papelarias em funcionamento no Brasil encolheu 29% em 10 anos. No final de 2017, eram 52.572 estabelecimentos – 21.083 a menos do que o país reunia em 2007.
Das mais de 21 mil lojas que fecharam as portas em 10 anos, metade delas encerraram as atividades de 2013 para cá. Somente em 5 anos, o número de papelarias e livrarias encolheu 22%. Veja gráfico abaixo:
73,8
Os estados com maior número de fechamento de livrarias e papelarias entre 2007 e 2017 foram São Paulo (-8.764), Rio Grande do Sul (-2.449), Minas Gerais (-2.251), Paraná (-1.659) e Rio de Janeiro (-971). Só no Amazonas o número de estabelecimentos cresceu no período: 62 lojas a mais, elevando para 561 o número de empresas do gênero no estado.
O levantamento da CNC foi feito com base nos números da Relação Anual de Informações Sociais (Rais) e considera todos os estabelecimentos comerciais cadastrados como especializados na venda de livros, jornais, revistas e papelaria.
Os números consolidados da Rais de 2018 só serão divulgados em meados do ano que vem. Mas somente a Saraiva e Fnac encerraram neste ano no país mais de 30 lojas.
Novos hábitos e modelo de gestão
Para o economista da CNC Fabio Bentes, trata-se de uma crise estrutural diretamente relacionada aos novos hábitos de consumo de livros, jornais e revistas, impulsionados pelo avanço tecnológico e do comércio eletrônico.
“Hoje, até mesmo quem vende o livro físico utiliza plataforma online. Então, além de toda a crise que atingiu a economia brasileira, o estabelecimento tradicional passa por uma crise estrutural, que aliás não é só no Brasil – vide o exemplo da Amazon engolindo setores de toda a economia nos Estados Unidos”, afirma.
A presidente da Liga Brasileira de Editoras (Libre), Raquel Menezes, defende que a crise que abateu as grandes livrarias não se restringe à venda de livros. No 1º semestre, meses antes dos pedidos de recuperação das grandes livrarias, o setor livreiro mostrou uma ligeira recuperação, com um faturamento 10% maior, segundo o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel).
Para Menezes, o problema está na escolha de um modelo de gestão que apostou em uma rápida expansão e também na venda de produtos eletrônicos, que se mostrou insustentável.
“As grandes livrarias cresceram demais e prejudicaram muito as menores com este modelo de negócio. Não dá para querer ser uma megastore e vender de tudo. Vimos que esse crescimento não foi nada saudável”, diz a presidente da Libre.
Ela também acredita que a estratégia de uma “guerra de preços”, na qual grandes livrarias passaram a oferecer descontos desproporcionais em datas comemorativas como Dia das Mães e Black Friday, também prejudicou o segmento e tornou a concorrência desleal com as pequenas livrarias.
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Funcionários demitidos da Fnac de Brasília, durante protesto em outubro na Livraria Cultura do Shopping Casa Park — Foto: Arquivo pessoal
Microempresas foram as que mais fecharam
Embora o recente fechamento de lojas de grandes redes tenha sido o que mais causou comoção e preocupação do mercado editorial, o levantamento mostra que a grande maioria dos estabelecimentos que encerraram as atividades entre 2007 e 2017 (20.912) foi de microempresas, com até 9 empregados.
O número de livrarias e papelarias de médio e grande porte, com mais de 50 empregados, chegou até a registrar uma expansão desde 2007. Foi neste período que as grandes livrarias ampliaram os negócios, enquanto as menores sofreram e tiveram que fechar as portas.
Mas, no comparativo de 2017 com 2016, o número de fechamentos superou o de aberturas em todos os tipos de porte de empreendimento. Segundo o Bentes, da CNC, os microestabelecimentos são os mais afetados em razão da mudança do mercado nos últimos anos.
“Como o setor está sendo engolido pelas lojas de departamento e pelo varejo eletrônico, que tem um poder de barganha muito maior para negociar com fornecedores e importadores, os mais fracos são os primeiros a morrer”.
No entanto, com a recente crise financeira dos dois grandes players – Saraiva e Cultura – abre-se um espaço para pequenas e médias livrarias ganharem projeção, na avaliação de Menezes, da Libre.
“É uma grande oportunidade para o mercado se reinventar”, afirma ela, para quem a valorização de negócios independentes pode tirar o setor livreiro da crise. “As livrarias independentes não estão sofrendo da mesma forma que as grandes redes em 2018, acrescenta.
Somente em 2017, foram 3.594 fechamentos, e a distribuição por porte foi assim:
- Micro: -3.529
- Pequeno: -57
- Médio: -1
- Grande: -7
15 falências no ano
Segundo dados da Serasa Experian, o número de falências decretadas também aumentou em 2018 entre livrarias e papelarias, e já chega a 15. Além disso, foram registrados 10 pedidos de recuperação no país. Em 2017, foram outros 9. Veja gráfico acima.

Saraiva, maior rede de livrarias do país, entrou em recuperação judicial
Setor perde 1.189 empregos formais em 1 ano
Outro termômetro que indica que o setor continuou encolhendo em 2018 são os números da mão de obra empregada. O levantamento da CNC mostra em que, em outubro, as livrarias e papelarias somavam 110.666 postos de trabalho com carteira assinada – 1.189 a menos do que o registrado no mesmo mês do ano passado.
“O setor de livrariais e papelarias está na contramão do comércio. Houve uma queda de 1,1% no pessoal ocupado em 1 ano, ao passo que o varejo como um todo está apresentando no período uma crescimento de 2,4% no número de vagas formais”, diz Bentes.
O economista destaca ainda que o segmento de livros, jornais, revistas e papelaria é a atividade com o pior desempenho do varejo brasileiro em 2018. Segundo dados do IBGE, no acumulado no ano até setembro as vendas caíram 10,1%, ante uma alta média de 2,3% do comércio varejista.
“Por que isso está acontecendo? As pessoas continuam consumindo livros, revistas e artigos de papelarias. Mas está havendo uma absorção por outros segmentos do varejo, principalmente os supermercados, lojas departamento e o varejo online”, diz Bentes.
Segundo a CNC, o segmento tem um peso pequeno no faturamento anual do varejo, de 1,3%, mas representou 5% do número de lojas fechadas no ano passado em todo o setor (76.416 mil). “Se o setor não tivesse piorando, os percentuais teriam de ser parecido”, afirma o economista.
(Colaborou Cauê Muraro)