As projeções da Confederação de Bens de Serviços, Comércio e Turismo (CNC) indicam que o setor de Turismo deve crescer 2,8% no Brasil em 2022 e retomar o volume de receitas ao patamar pré-pandemia entre este mês de julho e setembro próximo. No âmbito do processo de retomada, o Rio Grande do Norte tem se mostrado como modelo de boas práticas para outros estados, de acordo com a avaliação da professora e pesquisadora Mariana Aldrigui, da Universidade de São Paulo (USP). Aldrigui, que tem mais de 25 anos de atuação no setor, virá a Natal no próximo dia 21 para o Fórum de Turismo do RN. Para ela, estratégias como investimentos em qualificação, além de parcerias com mercados internacionais, têm garantido bons frutos ao RN, colhidos agora, conforme afirmou em entrevista à TRIBUNA DO NORTE. Confira.
Qual a expectativa para a recuperação econômica do setor?
Os próximos cinco meses serão desafiadores. Temos um grupo importante ainda em condições de viajar – cerca de 25% da população privilegiada – mas que começa a ser afetado pelo custo de vida mais alto. Então, esse grupo olha agora para as possibilidades de viagens internacionais, porque ficou cerca de dois anos sem sair e porque os destinos brasileiros estão sendo pressionados. E aí, nosso mercado perde o estrato superior, que vai para fora do País e o inferior, que é quem está com a renda comprometida por conta da inflação. Apesar disso, a gente deve ter o fim de uma alta temporada, em 15 de agosto, ainda muito positiva, com bons resultados para toda a hotelaria de lazer. O setor de eventos esteve muito bem resolvido entre março e junho, com demanda de muitas convenções e viagens, só que a gente observa um aumento no preço das passagens aéreas. Logo, a hotelaria vai precisar ajustar valores, porque está segurando na medida do possível para não perder clientes e o orçamento das empresas está sendo gasto antecipadamente. Assim, talvez as empresas precisem pensar se preservam suas viagens ou não. Com a perda da capacidade de compra, tanto as famílias quanto as empresas vão avaliar a prioridade do turismo em seus orçamentos. Infelizmente, 2022 não será o ano em que a gente, de fato, se recupera totalmente dos prejuízos com a pandemia. Os empregos ganharam fôlego no final do ano passado, mas com perda salarial, ou seja, temos mais pessoas trabalhando no turismo, só que ganhando menos do que em 2020. Também temos as empresas com um faturamento melhor do que em 2019, mas com uma inflação muito maior. Então, na média, esse faturamento não dá a mesma rentabilidade, além do que, muitas empresas ainda têm dívidas contraídas na pandemia.
Na sua avaliação, essa recuperação tem sido lenta?
A recuperação é consistente. O fato é que, nas crises, o turismo é o primeiro a parar e o último a voltar. E estamos emendando uma crise na outra – a sanitária, a da Guerra da Ucrânia e agora, a inflacionária. Os turistas, de maneira geral, podem estar se comportando hoje com informações que eles tinham do começo do ano e aí, muita gente se organizou para viajar nas férias escolares. Então, nós poderemos olhar para o resultado de julho e pensar: está tudo bem. Mas, na verdade, o que interessa é ver como estará a demanda para os próximos meses, que incluem vários feriados e o final de ano.
O que tem sido feito de positivo para a retomada e o que é preciso fazer para alavancar de vez o turismo no Brasil?
O Rio Grande do Norte é um exemplo do que fazer, porque o estado se destacou no Brasil quando, imediatamente ao início da pandemia, começou a planejar quais eram as estratégias necessárias de revisão. Por exemplo: sabendo que não era possível trazer um público que mora longe, investiu no mercado de quem mora perto e pode viajar de carro. O que a gente viu é o que o Rio Grande do Norte se posiciona, já em 2020, como um modelo a ser seguido, tanto no planejamento, quanto na combinação da gestão pública e privada, para ressignificar estratégias de promoção, aliança entre empresários e pensar em maneiras de vender o destino no médio prazo. O RN apostou em qualificação, algo que, nacionalmente, pouco se fez. O Estado conta agora com mais voos, além de um volume de interesse de buscas na internet muito elevado em comparação com anos anteriores e, por isso, tem sido premiado em diversos outros estados como modelo de boas práticas. Em termos de Brasil, é preciso lembrar que o País está com uma imagem muito comprometida no exterior. Então, investir demais na promoção internacional sem corrigir esse problema [de imagem], pode significar jogar dinheiro no lixo. Trabalhar melhor nossos vizinhos e o próprio mercado doméstico seria a melhor estratégia.
O retorno do turismo está mais focado no turista regional. Esse público é suficiente para sustentar a hotelaria e o setor?
A demanda regional pode ser mais do que suficiente e adequada, sempre com um ajuste fino de foco, mas esta é uma resposta que depende de contextos. Quando tudo parou em 2020 e se fez necessário redesenhar equipes, preços e formas de posicionamento das empresas entre os concorrentes, a única alternativa foi levar em conta essa situação socioeconômica do regional. Antes de adequar preços e condições de pagamento, mesmo que, se necessário, reduzindo esses preços, mas tendo demanda, corre-se o risco de encerrar operações, porque o público de áreas mais distantes não vai chegar, seja por razões sanitárias ou econômicas. Como quase toda empresa que tem uma gestão cotidiana, não estamos mais usando nossas métricas de 2019. Agora são métricas ajustadas para trabalhar com aquilo que está disponível para o setor. Cada região vai ter uma realidade. Em São Paulo, quanto mais sobem os preços das viagens aéreas, mais concentrada a demanda local fica e pressiona para cima os preços dos hotéis no estado. Então, muitos hoteleiros do mercado paulista vão dizer: “está tudo bem, estamos conseguindo cobrar mais”. Mas esta é uma situação momentânea. Na hora em que os voos entrarem em uma estabilização de preços adequada com o orçamento do turista, todo esse público viaja para outros destinos e os preços da hotelaria em São Paulo caem e nas outras regiões se reequilibram.
E com relação ao turismo internacional e ao turismo de negócios? Como fazer para alavancar esses dois nichos no País?
No caso do turismo de negócios, a estratégia é acompanhar os principais clientes – observar a forma como eles têm lidado com o próprio orçamento e que medidas viáveis estão contempladas. Por exemplo, muitas tarefas de quem trabalha com Comunicação podem ser feitas hoje por telefone ou por reunião virtual. Então, quem tinha como cliente uma grande empresa do ramo, precisa encontrar outro para substituí-lo. É preciso pensar também em negociações que podem ajudar a preservar esses clientes. No turismo internacional, o ponto hoje está na combinação de acesso – voos e serviços – junto com a construção de uma boa imagem, que está muito desgastada no País, mesmo com empresários muito comprometidos em fazer boas campanhas. No momento em que acontece o assassinato de Bruno [Pereira] e Dom [Phillips] na Amazônia, mesmo que haja milhares de quilômetros entre Atalaia do Norte e uma região turística como Natal, por exemplo, para um estrangeiro, é todo um país violento. E isso tem que entrar na conta de quem a gente vai chamar para ser os nossos líderes e representantes de turismo.
Quais políticas de fomento faltam para assegurar a retomada do turismo no Brasil?
Antes de qualquer política, falta um compromisso em termo de pessoas. A gente precisa de pessoas nas posições políticas-chave capazes de compreender o turismo e de não ficar só fazendo brincadeira com o setor. Quando o ministro (do Turismo) e os dirigentes forem mais comprometidos, a gente vai dar um passo muito grande. Outra coisa é conseguir comunicar com os nossos legisladores – nas esferas nacional e estaduais – para indicar onde estão os diferenciais do País. Nesse ponto, falo de sermos capazes de apontar os empregos gerados, de como está o envolvimento das famílias e da qualificação e do quanto o dinheiro que o turismo traz para os estados se reverte em arrecadação de impostos. Esse tipo de informação é rara, pouco divulgada e, na hora de priorizar discussões sobre outros setores, o turismo vai ficando para depois. O setor precisa de qualificação, deve mostrar as oportunidades de trabalho geradas e integrar todas essas políticas a um grande plano de desenvolvimento das cidades e dos estados, além de projetos que vinculem melhorias à infraestrutura e à segurança de quem mora em locais turísticos.
A senhora já mencionou que o RN é um modelo para o restante do País. Qual o caminho para que o estado se posicione no sentido de se diferenciar no setor?
Não há sugestão melhor do que manter o excelente trabalho que foi feito ao longo dos últimos dois anos. Entendo que houve um investimento sério e comprometido. Há hoje um envolvimento claro de diferentes empresários no RN e o resultado já começa a aparecer. Cerca de 12% da mão de obra formal tem relação com o turismo no Estado. Isso é uma marca da seriedade também das gestões e nós estamos falando de várias regiões, como Natal, Mossoró, Baía Formosa e São Gonçalo do Amarante, que apresentam melhores resultados. A gente tem uma imagem do RN que hoje está consolidada no País inteiro como um destino desejado. O Estado fez muito boas parcerias na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina e os frutos são colhidos agora.
Fonte: Felipe Salustino | Tribuna do Norte